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O Vôo (2012)

Quando assisti a esse filme de Zemeckis sai do cinema duplamente surpreso e confesso que demorou um bocado para compreender e digerir o que ...


Quando assisti a esse filme de Zemeckis sai do cinema duplamente surpreso e confesso que demorou um bocado para compreender e digerir o que assistira. Não que o filme tivesse me soado absurdo ou o trabalho apresentado não me satisfazesse enquanto cinema. Realmente estava meio receoso, já que o diretor vinha de três projetos a meu ver mal sucedidos e que ajudavam seus detratores a colocarem-no como um ex-diretor em atividade. Só que a abertura do filme, suas sequências iniciais que nos prendem a cadeira do cinema, pelo inusitado vindo do diretor aliado aquilo que esperávamos já, nascido de seu talento para cenas de ação nos chocam e surpreendem. Parece que lá ele (passada a projeção lógico) quer agredir e se afirmar como o homem que já legou importantes obras ao cinema.

Na primeira cena vemos o que move o cineasta: Um espírito de revolta contra a crítica e o público que não compreendeu o novo caminho que deseja trilhar. Como o fazer, sem que isso apareça de forma direta, mas permaneça enquanto herança para as gerações futuras. A resposta está nas imagens incomuns a sua filmografia e que fere a fundo a puritana sociedade americana. O Piloto que desperta com uma forte ressaca no quarto de um hotel em total desordem, cercado de garrafas de bebidas vazias, tendo a seu lado uma estonteante beleza latino americana totalmente nua. Durante um tempo enquanto ele fala ao telefone de maneira desarticulada, ela passa diante da câmera mostrando seus seios filmados em todos os ângulos possíveis e imagináveis até que ela some do enquadramento. Posteriormente ao desligar o telefone o piloto vai até ela e a câmera se fixa nas nadégas da companheira vestida apenas com uma tanga. E no meio de tudo isso o vemos ainda liquidar uma fileira de cocaína com uma aspirada potente. A surpresa não está na cena em si, mas sim por ter sido feita por um diretor sedimentado como um cineasta familiar. E não para por aí a sua revolta contra os alicerces da sociedade americana. A própria cena do desastre feita em um espaço restrito (uma cabine de comando) tendo como alicerce o magnífico Denzel Washington mas um verdadeiro efeito de montagem e decupagem demonstram como o diretor sabe como manipular com sua narrativa visual e o ritmo que tira o fôlego que nem nos damos conta que quando do pouso a Igreja é decapitada.

Ao nos mostrar a faceta de seu protagonista logo de início, admiramos seu feito, mas já o sabemos humano. E ele assiste seu coroamento enquanto herói pela mídia (falam de sua infância, mostram seu pai) a escoar garganta abaixo litros de cerveja e uísque. Nicole também é filmada a se drogar enquanto a câmera desvenda uma foto sua ainda criança ao lado de sua mãe. Um filme sobre uma sociedade que prostitui anjos? Talvez. Mas também pode se tratar de um filme sobre a redenção dos fracassados, a fraqueza dos heróis, da dificuldade de se situar na vida onde a mentira mediática e as exigências religiosas, mais culpam que guiam.

Sabemos que não foi o alcoolismo que fez com que o avião despencasse, nem possuímos a certeza de que foi as drogas que permitiu que o Comandante pousasse a aeronave naquelas condições (1). Zemeckis brinca com a nossa crença em soluções fáceis ao criticar a mídia que transforma-nos em Santos ou Facínoras.

O protagonista é um homem complexo, capaz de atitudes nobres, vivido por um ator em pleno domínio de suas potencialidades, que criou um personagem comedido, que nos dá a impressão que a qualquer momento pode explodir. E ironicamente no filme o personagem que mais atrai a nossa atenção e nos cativa é o seu fornecedor de drogas, vivido por um sempre carismático Goodman, que surge em cena como se estivesse marchando para salvar o mundo.É ele que atrai nossa simpatia, ao invés das personagens que aparecem como oriundas de um claustro.

O final parece uma fraqueza nesse roteiro? É a forma irônica de um desfecho em que se criticam as soluções extremas. Condena-se a bebida e se esquece que os EUA estão cada vez mais ajoelhados diante de outras drogas. Dentre elas não só a cocaína, a heroína e as drogas sintéticas, mas também a própria religião e o fanatismo mediático.

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