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Coringa (2019)

Desde que surgiu nas páginas em quadrinhos em 1940, juntamente como sendo o primeiro antagonista masculino do Homem Morcego, vários atores s...



Desde que surgiu nas páginas em quadrinhos em 1940, juntamente como sendo o primeiro antagonista masculino do Homem Morcego, vários atores se prestaram a viver tal personagem. A guisa de curiosidade cabe lembrar que seus criadores se inspiraram na figura criada por Conrad Veidt, quando viveu Gwynplaine na transposição para o cinema do romance O Homem que ri de Victor Hugo. Filme de 1928. Um dos últimos e melhores filmes da era silenciosa do cinema. Nas primeiras histórias o Coringa era um psicopata, mas o Código Moral pós Guerra o levou a ser vivificado como um palhaço excitado (a versão circense que foi a tv na década de 60, transformou todos os loucos que enfrentavam Batman, bem como o próprio, em figuras cômicas-espalhafatosas).

Ainda assim aquela leitura marca uma época e a série televisiva deixa seu recado e pontua seu nome na história de forma honrosa. O personagem retorna com a releitura de Tim Burton levada aos cinemas, contando no seu elenco com nada mais, nada menos, que Jack Nicholson, que parecia possuir o timing perfeito para encarnar o Coringa, trazendo em seu semblante a própria personificação do personagem querida e desejada por muitos. No filme o personagem surge após a traição de seu chefe gangster. Jack Napier transforma-se no Coringa após mergulhar em resíduos industriais. Ele aprecia ser um yuppie e opõe-se aos ricos tradicionais.

Nolan posteriormente dirigirá a releitura de Batman, seguindo mais ou menos a releitura feita por Frank Miller. Christopher Nolan acertará a mão no início, justamente por se deixar levar pelo espírito trazido pela acertada recriação de Miller (Batman Ano 1), em Batman Beggins. Infelizmente o diretor parece ter mergulhado em resíduos industriais, ao invés do Coringa e erra a mão em Batman – O Cavaleiro das Trevas, levando os personagens a um poço sem fundo. Exagera. Pior que o histriônico do roteiro e da direção encontrou acolhida num público cada vez menos seletivo que não percebe que não é o Coringa que simplesmente quer matar o Batman e tudo o que ele representa. Nolan cria um Coringa que é seu alter ego. O coringa torna-se um Cavaleiro do Apocalipse que quer aniquilar todo o legado de Bob Kane e Bill Finger. Não surpreende que Ledger tenha morrido em decorrência disso. Ator sensível de grande talento, teve de recorrer a remédios, para se recuperar do que lhe foi imposto pelo diretor que conduziu um personagem clássico a uma auto implosão. O resultado todos já sabem, mas o povo incauto não percebeu que essa releitura foi burra. Nem tentaram resgatar o personagem com Jared Leto. Seria uma missão suicida, como bem nos alertava a criação vinda das histórias em quadrinhos.

Tod Phillips e Phoenix fizera o que puderam. E surpreendentemente foram felizes. Felizes por serem sensatos. Era preciso ressurgir da cinzas e para isso deixar o fio condutor da história nas mãos de um narrador em quem não pudéssemos confiar: Arthur Fleck. Ou seja, tudo o que veremos é fruto da subjetividade dele. Como ele sofre de graves transtornos mentais, que o leva a fugas psicóticas, sabemos que muito que nós é mostrado, pode não ter ocorrido. E dessa forma encontramos uma guarida no meio do deserto do nada em que foi jogado o todo o legado de Kane/Finger, por Nolan. A inteligência de Phillips é tamanha que a o deixar que um louco (cuja psicopatia difere da do Coringa de Ledger, por não ser rasa e sem recheio, mas sim por nos mostrar um Joker frágil e forte ao mesmo tempo, humano e com várias dimensões e incertezas, buscando compreender-se e ao mundo que o cerca)) conduzir a trama, os enormes buracos deixados pelos filme anterior podem ser dimensionados e consertados. Era preciso fazer o Coringa ressurgir das cinzas e o diretor e sua equipe trabalharão com um reflexo de histórias já conhecidas por todos. Um reflexo distorcido as vezes, mas que ao menos traz um segurança. Então se o legado da origem proposta pela tradição não é seguido, (ou é), lembremos que tudo é visto através dos pontos de vista de um louco. E assim raças a um ator fantástico em pleno gozo de suas potencialidades, uma criatura patética com um corpo longilíneo deslocado, arrasta um rosto de truão triste num inferno urbano que não dá motivos para nenhuma alegria. Um cavaleiro que sonha com sua Dulcinéia e a persegue (a vizinha), vive com a mãe esquálida e paralítica, sonha-se talentoso, num dédalo que se repete todo dia sem mostrar uma saída possível, sem um motivo para sorrir. Repetidamente humilhado e espancado (a falta de uma política de inclusão e o pior da humanidade o escolheu como vítima) até que um dia ele se revolta e junta os cacos para se tornar algo diferente. Como eu disse anteriormente, para ressurgir era preciso dar a todos nós um ponto de apoio, contar uma história já sabida, dentro de um cenário conhecido. Um cenário de destruição e reconstrução, de lixo e de luxo, de erro e de acerto em segundo plano. São fortes as influências de Scorsese, no que ele tem de pior (Táxi Driver) e de melhor (O Rei da Comédia). O filme se situa na década de 80. A loucura do personagem de De Niro em Táxi Driver era a mesma em que Nolan sepultou o Coringa. Uma espiral de violência sem sentido. O homem levado ao estado puramente instintivo, num sentimento de alienação, instabilidade mental, falta de amor e nada a dizer. Em O Rei da Comédia ocorre o oposto. O personagem é psicótico, mas tem sonhos de serenidade.

O Coringa é um filme de origens. Era preciso isso depois da aniquilação. O que se prepara é o assentar de um cenário para que tudo o anteriormente erigido que foi destruído retorne. Coloque tudo isso num mundo muito próximo ao nosso, em que a ideia de supremacia domine, deixando-se os desvalidos largados a própria sorte, num processo de seleção natural onde o mais forte sobreviverá. Temos assim uma cidade largada a si própria, sem coleta de lixo, sem assistência social e médica. Retoma-se o espírito trazido por um processo de globalização que visa a derrocada de barreiras, não com o intuito de abraçar e proteger a todos, mas sim de desentocar, trazer a luz, para melhor aniquilar e sepultar. É nesse cenário, bem perto do que vivemos com a eleição de Trump e suas respectivas cópias no resto do mundo, que o diretor situou a necessidade de ressurreição.

Escrito por Conde Fouá Anderaos

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