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Ano Passado em Marienbad (1961)

“Há filmes que foram feitos para serem sentidos e não analisados”, disse alguém algum dia. Quando? Ninguém sabe. Em que contexto? Muito meno...


“Há filmes que foram feitos para serem sentidos e não analisados”, disse alguém algum dia. Quando? Ninguém sabe. Em que contexto? Muito menos. Para quem ele disse isso? Para todos e para ninguém. Por outro lado, certamente essa frase já foi usada para definir Ano Passado em Marienbad (L’Année Dernière à Marienbad), de Alain Resnais. Há também quem conteste a citação, dizendo que análises profundas cabem a todos os filmes, até mesmo para os mais experimentais. Ano Passado em Marienbad sofreu muito com a crítica quando foi lançado em 1961, porém, hoje está consolidado e tem status de obra prima na filmografia de Resnais.

A premissa é mais simples que o filme em si. Estão todos os personagens numa festa que acontece em um grande casarão, em Marienbad (será lá mesmo?). Enquanto um homem joga um jogo de raciocínio que só ele vence, sua esposa (será mesmo?) conversa com outro homem, que tenta lhe convencer de que eles estiveram ali no ano passado (estiveram mesmo?). E é isso. Simples na sua essência, porém cheio de dúvidas. E não espere por respostas.

A incursão pode parecer estranha no começo, mas nos acostumamos rapidamente com o ritmo composto por Resnais. Sua câmera passeia através de planos simétricos e extremamente bem elaborados por todo o casarão, espiando o que as pessoas estão fazendo ali. Semelhante a seus “curtas documentário” do começo de carreira, Van Gogh (idem, 1948), Guernica (idem, 1950) e Toda A Memória do Mundo (Toute La Mémoire Du Monde, 1956), Resnais traça uma trajetória com a câmera, que vasculha o cenário em busca da história. Descobrimos o filme com ela, tateando em território desconhecido até então.


A linha do tempo tem um traçado semelhante, como se as coisas se desenvolvessem de acordo com o fluxo da narrativa, independentes da ordem dos fatos. O homem fala do que aconteceu no ano passado, e estamos no ano passado, a mulher responde algo sobre o presente e voltamos para o presente. Os personagens trocam de lugar e de roupa, fazem pausas estáticas e repetem o que já fizeram de outro jeito. Os fatos seguem a linha do diálogo, sem preocupação com continuidades.

Resnais vai além ao subverter os princípios dos colegas franceses, àquela época preocupados em desenvolver uma narrativa frenética, com planos imperfeitos. A ideia era ir contra o modo frio de se fazer cinema que se propagou na Europa durante a Segunda Guerra, dando mais liberdade às improvisações dos atores e tornando o cinema em algo real. O desenvolvimento de Ano Passado em Marienbad, por sua vez, é lento e cuidadoso. Resnais fez justamente o contrário do que propusera Jean-Luc Godard, um ano antes, em Acossado (À Bout de Souffle, 1960), um dos primeiros exemplares da Nouvelle Vague.

Jean-Luc Godard que viria a fazer depois algo muito semelhante em O Desprezo (Le Mépris, 1963), trabalhando em longos diálogos entre um casal, dessa vez marido e mulher, que não entende seus sentimentos complexos diante um do outro. Há também uma sequência em que a câmera rodeia uma estátua analisando-a e admirando-a, assim como Resnais fez em seu filme de 1961. A influência também se daria sobre outros cineastas, como Stanley Kubrick. Seu estilo de filmagem, que viria a se tornar sua grande marca, está todo ali em Mariembad. A comparação fica ainda mais evidente ao analisarmos O Iluminado (The Shining,1980), que conta até com um cenário muito parecido com o do filme de Resnais.


Pode-se dizer que Ano Passado em Marienbad, quando lançado, foi incompreendido. Resnais queria se libertar das amarras do cinema convencional e até do cinema experimental. O resultado não agradou, provavelmente era isso mesmo que o cineasta esperava, mas com o tempo o longa recebeu a devida atenção, principalmente de quem viria a ser muito importante para o mundo da sétima arte. A corajosa obra, à época, foi posta em listas de piores filmes de todos os tempos, já hoje figura em destaque nas listas de filmes que devem ser vistos.


Porém, mais de quarenta anos depois, as dúvidas continuam. O que é verdade e o que é mentira em Marienbad? O que realmente aconteceu? Eu diria que é impossível saber, justamente por ser essa a intenção de Resnais. Aqui o cineasta mostra que nossa busca pela verdade se confunde em meio a tantos fatos pelos quais passamos. A perspectiva tem um bocado de culpa nisso também. Ela nos confunde perante os reais acontecimentos. Vemos o que queremos e não o que realmente aconteceu. Assim age o protagonista, que tenta convencer a mulher de que eles tiveram um caso no ano passado, conduz a história mostrando apenas a sua versão. Quando confrontado pela “amante”, ele teima em repetir sua versão até convencê-la. O filme seria um retrato de nossas vidas e de nossos sonhos, permeado por dúvidas e pontos de vista de quem participa. Destratado por alguns e glorificado por outros, Ano Passado em Marienbad vale a pena ser visto, analisado e sentido.

Giancarlo Couto

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