Vi-o na década de 80. Se não me falha a memória no Cine Arouche. Graças ao prêmio Oscar, pois duvido que se o não tivesse recebido, teria o ...
Vi-o na década de 80. Se não me falha a memória no Cine Arouche. Graças ao prêmio Oscar, pois duvido que se o não tivesse recebido, teria o contemplado. O filme tinha passado despercebido em toda a Europa (Espanha inclusive) e ainda parece estar estigmatizado após esses longos anos. Ao meu ver injustamente. É um belo e competente filme. Trata do tema político de uma forma ímpar. O passado é reconstituído sem utilizar muito o recurso de flashbacks, é sentido no presente (no caso a década de 80) quando da subida ao poder do Partido socialista. Um passado percebido como uma quebra, uma fratura, que marca a vida dos personagens. O tema do exílio e a repressão ainda é sentida em toda a película. Está erigido no presente como uma ferida a se curar, a ser tratada. O exílio não é contado do ponto de vista do abandono da terra, da fuga pela sobrevivência, mas sim do retorno (A Odisseia?). E do declínio da vida de um personagem que encontra um país novo, capaz, talvez, daquele momento em diante de unir todo o povo em torno de um ideal pelo qual toda uma geração foi sacrificada. Antonio Albajara retorna a Gijón após ser agraciado com o prêmio Nobel de Literatura. Não é uma volta apoteótica a suas origens, pois como vamos ficar sabendo, ele tem uma doença incurável e pouco tempo de vida pela frente. A sua volta tem mais o caráter de uma despedida. De um reencontro com o passado que permanecia nele. Outrora jogara no Sport de Gijón e fora um símbolo para o time. Também retorna para reencontrar a mulher (Elena) que lhe fizera conhecer o amor na década de 30 e que a Guerra Civil afastara para sempre. Ele rememora o momento do adeus, sua ida forçada de país em país até o conseguir o exílio nos EUA. A partir daí vamos percebendo o acumular de sua existência: Universidades, Casamento, Filhos e sempre a perspectiva do retorno que a presença de Franco (vivo e depois de morto) tornava impossível a materialização.
O que cativa no filme é a aparente boa saúde do personagem e o mal que o acomete e tornará sua vida finda em breve. Um recurso que comove e dá sentido à vida, a busca do ideal inatingível. Se ele retorna como um vencedor sobre o túmulo de Franco, dá-nos uma sensação de algo efêmero, mas não de derrota, perda. O que se buscava era os fragmentos de um passado pleno de sentido que valeu por uma existência. Reencontrar esses fragmentos como uma realidade ainda plena era seu objetivo. O disco de Cole Porter que ele a havia presenteado na década de 30 retorna com uma dedicatória escrita após a antiga: “De Ginger para Fred.” Duas datas que reúnem em si um valor maior para o personagem. Dão um sentido a toda a sua vida. Não por serem fechadas em si, mas por abrangerem um significado maior.
O filme fala do passado, mas dá uma grandeza maior a ele, a tudo que houve, ao fixar sua história no ponto de vista de um homem que em breve não mais estará aqui. Um homem no crepúsculo de sua existência, que busca um retorno às origens, sem lapsos, sem falhas. A presença do fim, exerce sobre o ser questionamentos (não se trata de uma pessoa simples, mas de um intelectual). Foi uma vida sem normas, sem grandeza política, sem sentido? O filme não descamba para um sentimentalismo fácil, e não se chora a perda da existência, pois se tem a sensação de que se estivera sempre do lado correto do front. O que ele fez, foi confirmar tudo isso. O fim de uma existência é algo certo, mas uma existência sem sentido é uma escolha errada. Como é gratificante ser um perdedor nessas circunstâncias.
O diretor mostra o momento político atual como a oportunidade de colocar fim aos conflitos históricos. A coroa espanhola, na época, representava a esperança de dias melhores e sal figura o símbolo de uma possível união em torno de um ideal. Quando o rei lhe telefona para lhe parabenizar ele afirma que são fortes os indícios que Estocolmo lhe dará o Nobel da Paz no ano próximo. O que se buscava era uma saída viável. Se os anos vindouros não confirmaram isso, pouco importa. O que se tem aqui é o sonhar de um artista.
Temos de ter o olhar desse personagem sobre nossas próprias vidas. Não sentirmos nem raiva, nem nos lamentarmos. Procurar aprender a fazer as escolhas certas, não importa seu custo, nem que elas se mostrem equivocadas depois. Fazer sempre o certo e nos mantermos abertos a novos conhecimentos. Albajara não credita a perda a ninguém, não guarda rancor de nada. O exílio foi uma infelicidade, símbolo talvez de todas as perdas que a existência nos exige: saúde, juventude, amor, ela própria. Podemos lamentar tudo isso, mas é inútil, já que é impossível termos domínio de tudo, e mesmo a compreender em sua totalidade. Estamos de passagem e a única coisa que podemos fazer é deixarmos boas marcas.
Escrito por Conde Fouá Anderaos
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