Quando assisti esse filme fiquei de revê-lo novamente para melhor compreender sua feitura, o alcance de sua proposta. Eis que a oportunidade...
Quando assisti esse filme fiquei de revê-lo novamente para melhor compreender sua feitura, o alcance de sua proposta. Eis que a oportunidade surgiu (de tempo, já que o DVD descansava em minha estante). Eis que cumpre agora tentar dissecá-lo através da palavra escrita, algo a princípio fácil, mas que me dá sempre a sensação que o resultado fica aquém do imaginado.
Trata-se de um filme dinamarquês que ganhou o mundo e um raro produto daquelas plagas que ganha o mercado nacional. Felizmente o filme possui qualidades, a sua chegada até nós não foi fruto de um modismo passageiro. É um filme que pede muito de seu telespectador, mas que nos recompensa generosamente. Do elenco maravilhosamente dirigido, só reconhecemos Mads Mikkelsen que já trabalhou em Cassino Royale como vilão. Ele faz o papel de Jacob, homem que vive faz anos na India e se dedica a obras sociais. O começo do filme nos encaminha a imaginar que o que será discutido na tela é a questão da responsabilidade social, e isso não é todo errado. Susane Bier (a diretora) trabalha tal tema de uma forma inusitada. Ela coloca seus personagens em ambientes fechados, se vale de pequenos dramas periféricos, sem deixar um só momento a questão universal da responsabilidade social. Jacob é um homem que nos surge como alguém político corretamente. Mas trata-se também de um ser com suas fraquezas, seus acertos e erros. Em suma, não existe ali, o interesse de deificar ninguém. Não existe o super-homem, mas todos podem querer encarna-lo. Jacob se vê obrigado a ir até sua terra natal, única esperança de conseguir verba para o seu pequeno projeto social que ameaça ruir. Ao chegar na Dinamarca ele se depara com o Mecenas que pode salvá-lo : Jørgen (Rolf Lassgård em interpretação fantástica).
O que percebemos pelo primeiro encontro é que Jørgen não parece transmitir nenhum interesse em abraçar a causa trazida por Jacob. A única preocupação que move Jørgen é a de dar a sua filha uma festa de casamento perfeita (ainda que ele não esteja seguro do passo dado pela filha, ainda que ela não seja sua filha verdadeira). Jørgen é assim um pai de família exemplar, um homem que se dedica a família e aos que o rodeiam. Em suma: Um ser que não tem preocupação nenhuma com que ocorre longe dos seus olhos, ainda mais tão distante de sua própria terra.
Anna a filha de Jørgen logo após o casório se sente duplamente traída (pelo fato de descobrir que Jacob é seu pai, também pela atitude indigna de seu marido que ousa traí-la em sua própria residência e que encaminha quem vê o filme a supor que seu marido apenas a queria como forma de galgar uma posição maior dentro da empresa do sogro – Jørgen mostra-se receoso quanto ao casório no que foi acalmado pela mulher que diz “é o primeiro casamento dela” – estranho país esse em que o casamento já é um produto descartável).
Helene, a mulher de Jørgen teve um relacionamento no passado, cujo fruto materializado é Anna. Ela no entanto é realmente fiel e apaixonada por Jørgen, e procura compreender a razão com que fez com que ele trouxesse novamente a sua presença o antigo namorado.
Jacob é um ser sonhador. Ficamos sabendo de seu passado leviano, de que foi um indivíduo nefelibata, mas que nos últimos tempos, fincou os pés na realidade. Ele acredita que está sendo manipulado por Jørgen, mas não tem certeza sobre qual motivação: vingança ou soberba.
Jørgen é um ser que nos é vendido como alguém acima do bem e do mal. Quase um semideus, devido a sua invejável condição financeira. Ele passeia por sua residência e nela nos deparamos com animais empalhados, oriundo de várias partes do orbe. Símbolo do poder de seus habitantes. Símbolo também do crime perpetrado por essa sociedade ao meio-ambiente. Quão humano ele surge, sobretudo após sabermos que ele está morrendo. Nem todo o seu poder, pode privá-lo da condição humana. E quão frágil ele surge a partir de então, como fazemos uma nova análise sobre tudo o que assistimos até então. Futuramente ele será apenas como os que jazem empalhados em sua parede. A diferença é que sua imagem desaparecerá tridimensionalmente. Viverá apenas nas lembranças dos seus, em fotografias e filmagens. Por baixo da etiqueta social, do pai exemplar, surge um irmão compartilhando sua dor, que encontra eco em todo esse pequeno globo, simples poeira perdida na imensidão do Universo.
Susane Bier consegue perpassar por todo o filme a cena que o abriu. A nuvem de crianças que esticavam a mão em busca de um naco de alimento. Nuvem essa que se agigantava a medida que a câmera abria e o tempo passava. Todos os seres desse planeta, em certo instante perceberão que estão interligados. Não existe uma ilha onde se isolar. O final do filme com o retorno de Jacob e o convite que ele endereça a uma das crianças é exemplar: Ele não quer ir morar com Jacob na Europa(Jacob devido a uma cláusula do contrato assinado com Jørgen, teria a obrigatoriedade de ficar residência na Dinamarca). Ele gravara em seu coração o que Jacob lhe dissera: Ele não gosta da Dinamarca. Jacob se cansara de se esconder da realidade.
O garoto nascera nela e não queria fugir.
A diretora faz uso de vários planos detalhes, não raras vezes a lente se fixa em um olho, nos lábios dos personagens. Não é preciso mostrar o todo para nos encontrarmos. Filme exemplar que nos coloca em permanente meditação.
Escrito por Conde Fouá Anderaos em 27/12/2008
Nenhum comentário