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Duas Vidas (1939) e Tarde Demais para esquecer (1957)

Sempre tive cismas com remakes. Um dos motivos básicos é que jamais vi um remake que fosse superior ou ao menos igual ao original. E geralme...

Sempre tive cismas com remakes. Um dos motivos básicos é que jamais vi um remake que fosse superior ou ao menos igual ao original. E geralmente se faz refilmagem de filmes que deram certo, quer para homenageá-los com o intuito de resgatá-los (O que geralmente serve para sepultá-lo de vez, já que o público, infelizmente sem alicerce crítico, opta por ver a história moderninha ou colorida, ao invés do original que foi um marco) quer por comodismo, já que partir de  algo já realizado é tido como  mais seguro. A realidade é que tenho até receio de ver um filme refilmado, antes de conhecer seu original. Quem em sã consciência acha Psicose do Gus Van Sant algo de  valor, diante do original de Hitchcok?  Ok, o King Kong do Jackson é um belo filme, mas até ele próprio prefere rever o original de 1933. O problema aqui é outro. Em 1933 não se podia captar o que Peter Jackson captou, mas o antigo permitia que a nossa imaginação completasse esse vazio. Da versão de 1978 prefiro o silêncio.

Agora resolvi rever alguns remakes e originais vistos. Mas optei por um critério. Que ambos tenham sido dirigidos pelo mesmo diretor. Intriga-me saber o que motiva esse diretor a refilmar algo já feito por ele. E se tiver tempo e ânimo pretendo deixar minhas impressões sobre 4 obras nesse modesto blog: A Vitória será tua (1934) refilmado pelo próprio Capra na década de 50; Dama por um dia (1933) do mesmo diretor refilmado em 1961 pelas suas mãos. O Homem que sabia demais de Alfred Hitchcock (1934 e 1958). E como início essas duas versões de Duas Vidas de Leo McCarey.


Todo mundo que aprecia um filme romântico tem eternizado na sua memória a ideia de uma cena onde dois namorados irão se rever no Edifício Empire State em Nova Iorque. Um lugar sacro para se concretizar o encontro de duas almas na selva urbana de uma metrópole. Cena sonhada e jamais concretizada na obra que lhe serve de inspiração. Mas a força de tal imagem perpetuou-se e tornou-se um símbolo para toda uma geração de amantes. O que pouca gente talvez saiba é que o filme que inspirou "Sintonia de amor" tivera duas versões. Acreditam apenas existir Tarde demais para esquecer (a de 1957).



"Ambos noivos, a ex-cantora de cabaré Terry McKay e o playboy Michel Marney (Nickie Ferrante na versão de 1957) embarcam no mesmo transatlântico que parte de Napoles a Nova Iorque. A embarcação os conduz aos futuros consortes. Só que no percurso eles se dão conta que talvez haja a possibilidade de ambos terem encontrado no outro o parceiro ideal. Com a aproximação do destino final, ambos fazem uma promessa: Romper os laços com os noivos e se reencontrarem seis meses mais tarde no alto do Edifício Empire State.”



Se a história é a mesma, mais coisas diferem a abordagem do diretor e o que é apresentado a nós. Não digo da fotografia, em que o belo preto e branco é substituído por um cinemascope em tom pastel que não envergonha o original de 1939. O par central em ambas as versões saem bem: É verdade que Irene Dunne me agrada mais que Kerr, enquanto acho Grant mais propício ao papel que Boyer. Mas são impressões imprecisas. O que realmente me impressiona são justamente as ousadias da direção. Se na versão de 1939 o par central soa mais adultero, - existe um ósculo cheio de desejo; a versão de 1957 caminha na direção oposta. Trata-se de sentimento, o playboy não vê apenas a moldura e a ex-cantora que estava habituada a um ambiente onde o assédio dos homens era mais escancarado vê em Nick Ferrante algo mais que a aparência (existe uma bonita tomada, de um beijo camuflado ou insinuado na versão de 1957). O que isso quer dizer: Próximo da revolução sexual que despontará na década de 1960, McCarey opta por uma bem humorada e elegante visão comportada onde o que está em jogo é a descoberta dos sentimentos. Nada de sensualidade, apenas a busca da essência. A versão de 1939, se nos soa comportada demais hoje, é que não a vemos com a ousadia que possuía a época: o beijo de dois comprometidos, a ida a cabine da mulher, os olhares mais camuflados, mas mais maldosos dos que os cercam no navio. Na versão de 1957, esses olhares são mais explícitos, mas a reação do casal é mais incisiva. Se tudo virara algo comum (as fotos vendidas como souvenirs) o efeito no par central e em nós que assistimos a tudo é outro: Nada importa diante da descoberta daquele sentimento puro. Quase 20 anos depois seria mais tolerável os dois se entregarem rapidamente um nos braços do outro. Se isso pode ter ocorrido em 1939, temos a certeza aqui que tal não ocorreu. Uma pequena inversão de valores inusitada.

Algo que chama a atenção também é a metragem. Na versão de 1957, somos agraciados com cerca de meia hora a mais de projeção. O diretor se serve dela não só para se aprofundar  no texto, também o filme ficou mais leve, com alguns toques de humor tão caros a sua filmografia. Vemos mais os personagens secundários. E existe a certeza de que os noivos de ambos não eram tão descartáveis assim. O que realça ainda mais a importância que um tem para o outro. 

Certamente um dos melhores filmes românticos de todos os tempos (Não importa a versão). Eu prefiro o de 1957, o que absolutamente é uma questão pessoal. A diferença entre ambos em termos de Cinema é quase imperceptível. Mas Mccarey dá um tom autobiográfico que não passa despercebido em 1957- dito pela avó: "Ele é talentoso demais. Infelizmente ele também é muito crítico. O artista quer criar, mas o crítico quer destruir". Frase essa que explica a razão da ausência de mais filmes de McCarey na década de 50.



Agora gostaria de fazer um pedido a todos que tiveram a delicadeza de ler esse escrito. Procurem conhecer ambas as versões. E se puderem vejam a de 1939 primeiro. Como ela é mais curta, poderão então ter a exata noção de como o diretor buscou criar algo mais na de 1957. Se assistirem a outra primeiro, ter-se-a a sensação de que falta algo, o que em realidade longe estar de ser uma verdade. 


Escrito por Conde Fouá Anderaos

Um comentário

  1. Ótimo Texto! Parabéns!
    Também tenho a mesma opinião acerca dos remakes. Entretanto, quando se trata de ficção científica, os filmes "regravados" se saem bem melhor, como por exemplo KING KONG e GUERRA DOS MUNDOS.
    Eu não imaginava que TARDE DEMAIS PARA ESQUECER era um remake, ainda mais do mesmo diretor. O Cinema e suas surpresas!
    Gosto muito da versão de 1957 (que foi a única que vi) porém esse estilo meloso de McCarey não me atrai muito.

    Abraços!

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