A vida de um sonho (I remember mama) é baseado em um dos contos de uma famosa coleção de livros de Kathryn Forbes intitulado: A conta bancár...
A vida de um sonho (I remember mama) é baseado em um dos contos de uma famosa coleção de livros de Kathryn Forbes intitulado: A conta bancária de mamãe. Primeiramente ganhou os palcos da Broadway em 1944 com a produção de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II. Tinha como destaque nesse elenco Mady Christians, Oscar Homolka e Marlon Brando. Tratava-se de um musical. O conto ganhará as telas em 1948 dirigido por George Stevens.
Tenho para com a obra cinematográfica de Stevens uma relação curiosa. O primeiro filme que conheci dele foi “Assim Caminha a humanidade”. Obra essa que lhe concedeu o oscar de direção e pela qual não nutro nenhuma simpatia.
Stevens ganharia meu respeito com “Um lugar ao sol” um retrato cru e cruel da vida americana, um filme irretocável. Contudo tenho grande simpatia por outras obras suas que se não possuem o mesmo viço desta última, trazem um frescor e uma leveza que as diferencia das obras da década de 50 dirigidas por eles. Refiro-me a “Original Pecado” (1943) e esta que agora conheci e que me proponho não a analisar, mas sim a cometer a ousadia de traçar algumas linhas.
Para se ter idéia do que se apresentará na tela necessário se faz encontrar obras que a lembrem ainda que cada qual tenha suas especificidades. Vêem-me a mente três: "A felicidade não se compra" (1946) de Frank Capra, “Como era verde meu vale” (1942) de John Ford e “Quando o coração bate mais forte” (1970) de Lionel Jeffries. Todas baseadas em obras literárias que tiveram certa repercussão em sua época (Como era verde meu vale até hoje tem uma relevância literária considerável), cujos autores nos soam hoje desconhecidos: Philip Van Doren Stern, Richard Llewellyn e Edith Nesbit respectivamente.
Não existe um grande drama que nos choque na história que será narrada. É mais uma crônica de costumes do início do século passado, mas a leveza da direção e a sensibilidade nos remete a obra capresca. Agora essa obra encontra eco nas duas outras citadas, pois retratam o cotidiano de famílias com um distanciamento que não busca explorar os excessos dos sentimentos que as permeiam. Assim o destrinchar dos personagens inicia-se no caricato mas se encaminha para as pequenas nuances que os diferenciam daqueles que já temos traçados no nosso imaginário (a solteirona, o beberrão, etc). Também aqui mostra-se o talento do elenco e da direção que fogem do lugar comum. Existe espaço para que os atores explorem seus potenciais de forma que contribuam não para sua satisfação, mas para o caminhar da história. Nesse sentido, de forma curiosa, quem se sai melhor é justamente o único ator que participou da montagem teatral: Oskar Homolka. A sua perfomance é tão espetacular (Tio Chris) que fico em dúvida se o vencedor na categoria de oscar coadjuvante merecia ter sido Walter Huston (O tesouro de Sierra Madre). Contudo prêmios são menores que o legado deixado por tais performances Homolka passeia facilmente na tênue fronteira que separa o exagero da sutileza. É disparado a melhor interpretação do filme. Isso não quer dizer que o resto do elenco destoe. Irene Dunne está maravilhosa. Uma atriz que marcou a história cinematográfica. Indicada várias vezes a estatueta nunca a levou. Daí a alcunha de “a melhor atriz a não levar um oscar”. Mas torno a repetir, seu legado também é mais importante que qualquer prêmio.
Oscar Homolka (Tio Chris)
George Stevens posta sua câmera de forma a não preterir e nem elevar nenhuma pessoa do elenco. O que importa é a história, a obra, os personagens. A fotografia de Nicholas Musuraca(Sangue de Pantera, Fuga do Passado) beira a perfeição, dando-nos aquela aura memorialista que a história precisa. É interessante nos darmos conta que pela primeira vez o artista teve a seus dispor um orçamento compatível com seu talento. Sempre esteve ligado a filmes B dos estúdios RKO e seus baixos orçamentos. Quem viu “O Homem dos Olhos esbugalhados” (1940) perceberá que algumas das idéias dele serão aproveitadas por Tolland em “Cidadão Kane”. Em “A vida de um sonho” o uso de sombras (sua especialidade) se prestará a uma história mais contida, distante daquele horror e suspense que o imortalizou.
Certamente muitos estranharão o ritmo do filme, a simplicidade da narrativa, a história aparentemente rasa. Se a remetermos a época de sua produção e também ao ano em que passa a história poderemos perceber algumas ousadias. A mãe que após uma operação a que a filha foi submetida e que não pode ir a seu quarto (hoje em dia a presença materna é tida como fator crucial para a recuperação dos filhos). Mostra-nos de maneira discreta uma crítica a um absurdo que já vigorava como errôneo no imo das pessoas. Também temos a mulher que é rotulada de imoral, por a crerem não casada com o tio Chris. E que é subitamente considerada por ser realmente casada com ele. Também guarda mais uma semelhança com “A felicidade não se compra” ao criticar de maneira sutil as organizações financeiras. A família que espera nunca ter de recorrer ao banco. Os Bancos parecem aquela época passar uma sensação de insegurança muito maior que hoje. Ou seria a sociedade naquela época mais perspicaz que a atual?
Querem minha opinião sincera? “A vida de um sonho” é um trabalho tão grandioso de Stevens que merece ser descoberto. É verdade que tecnicamente é inferior ao seu “Um lugar ao sol”. Mais tenho cá a sensação de que irei rever esse muitas mais vezes. Prefiro esse (como preferia “Original Pecado”) a sua obra mais perfeita. As vezes temos de nos deixar levar pelo coração, sobretudo quando a razão não é agredida.
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