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Um Doce Olhar

A terceira parte da atípica trilogia semi-autobriográfica do turco Semih Kaplanoglu conta mais uma vez a história de Yusuf, seu alter-ego. E...


A terceira parte da atípica trilogia semi-autobriográfica do turco Semih Kaplanoglu conta mais uma vez a história de Yusuf, seu alter-ego. Em Ovo (Yumurta) de 2007, conhecemos um Yusuf adulto, poeta de pouco sucesso e dono de um sebo, que retorna ao vilarejo onde cresceu para o funeral de sua mãe. Em Leite (Sut) de 2008, Yusuf é um adolescente que sonha em ser poeta, mas não consegue entrar nem na faculdade nem no serviço militar. Nesse Um Doce Olhar (Bal, ou então Mel em uma tradução literal), Yusuf, interpretado pelo tão jovem quanto talentoso Bora Altas, é um garoto de seus 6 anos que tem dificuldades de leitura na escola e que acaba vendo sua infância ser destruída num infortúnio que abatera sobre seu pai.

Ovo-Leite-Mel é um trilogia absurdamente peculiar. Kaplanoglu conta a história de três Yusuf's diferentes, que na verdade são um só. Uma história contada de trás para a frente, começando pela fase adulta e regredindo até a infância, mas sem deslocamentos temporais. Exemplo disso é o fato de Um Doce Olhar ser ambientado em 2009, o que indica que os três Yusuf's compartilham o mesmo presente.

Kaplanoglu faz um filme extremamente calmo, mas objetivo. Não há simbolismos, e quando há, ele fica explícito, como nos três momentos relacionados a um copo de leite, título do filme que retrata sua adolescência. Num primeiro momento, sua mãe, Zehra, lhe entrega um copo de leite para que o garoto tome. O pai, Yakup, passa a sua frente e o bebe primeiro, indicando a pressão de Zehra para que seu filho cresça logo, mas a oposição de Yakup, que prefere preservar a infância e a inocência do filho. Num segundo momento, quando Yakup não está presente, Zehra mais uma vez força o filho à maturidade, mas este a rejeita, colocando uma pena dentro do copo de leite para que não precise tomá-lo. Por fim, quando o jovem Yusuf sabe que seu pai não mais retornará, ele pega o copo de leite sobre a mesa e deliberadamente o toma, aceitando assim o fim de sua infância.

Como pode-se notar na atitude narrada acima por parte de Yakup em preservar a infância do filho, é com o pai que Yusuf mais se identifica, tendo um relacionamento muito melhor com este do que com sua mãe. Kaplanoglu também ilustra isso através de duas passagens de simbolismos explícitos. Num primeiro momento, Yusuf vai até seu pai para lhe contar um sonho que tivera. O pai, por sua vez, diz que sonhos não devem ser espalhados livremente por aí e instrui o filho a sussurá-lo em seu ouvido. Algum tempo depois, Zehra vai até Yusuf para contar um sonho que teve e ali mesmo, em pleno e bom som, no meio da cozinha, o narra, para o incômodo do garoto. Uma prévia para o que viria a seguir, de Yusuf se tornar um poeta. Todo o lirismo daquele momento com o pai, onde o garoto aprende a verdadeira importância dos sonhos sendo posta em contraste com a visão da mãe, para o qual um sonho é algo absolutamente banal.

Logo no primeiro momento, Um Doce Olhar já indica o ritmo que seguirá, quando numa cena completamente desprovida de falas e composta quase que inteiramente de uma única tomada estática, vemos o pai de Yusuf, um apicultor que sai à floresta em busca de novas colméias, visto que suas abelhas estão desaparecendo, sofre um acidente do qual, muito provavelmente não sobreviverá. Um artifício bastante utilizado (vejam o exemplo clássico de Beleza Americana) onde contar o final logo na primeira cena ajuda a intensificar o sofrimento dos personagens, passando longe de uma indesejada pieguice.

Um Doce Olhar, ou Mel como eu prefiro, é um ótimo exemplar de um cinema extremamente minimalista, poético e, tal qual dito anteriormente, lento, mas objetivo. Sua escassez de simbolismos que poderiam ter sido utilizados em enorme quantidade o torna uma obra deliciosamente simples. Típico filme de festival, vindo diretamente das montanhas do norte da Turquia, às margens do Mar Negro, se assemelha em vários aspectos com outro vencedor de um grande festival em 2010, Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, vencedor do prêmio máximo em Cannes. Semelhanças essas no tom poético, na calma narrativa, na simplicidade da produção e no ar contemplativo com o qual as paisagens são retratadas, mas enquanto o tailandês aborda um tipo de realidade fantástica carregada de simbolismos, o turco é bem mais direto em seu hiper-realismo.

Por último, vale ressaltar a fotografia de Baris Ozbicer, indicada ao European Film Awards na categoria, sobretudo nas tomadas internas, onde a iluminação dos ambientes remete à obra do pintor holandês Johannes Vermeer.

Um comentário

  1. Olá, olá. Gostei do teu blog e linkei ele no meu. Por isso te indiquei para o Selo de Qualidade, depois dá uma olhada lá:
    http://criticamecanica.blogspot.com/2011/01/selo-de-qualidade.html

    Abraços (:

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